Thursday, November 30, 2006
Canção do Amor-Perfeito
O tempo seca a beleza,
seca o amor,
seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,desunido para sempre
como as areias nas águas.
O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.
O tempo seca o desejo e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,vestígio do musgo humano,na densa turfa mortuária.
Esperarei pelo tempo com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra,
Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.
Cecília Meireles
Nelson Ascher
"Todo poema se perdeu,
que estava em meus neurônios antes,
tão logo foi,
tantos instantes atrás escrito
ou converteu-se em variação menos
do seu tema que dos outros,
semelhante no desenlace ao dos amantes, mais arquetípicos.
Orfeu, perdendo Eurídice ao olhá-la e
a página sem traço algum do que imaginei,
parece a vala comum de quanto seja oriundo
da inspiração que é sempre rala:
o esquecimento, que é sem fundo."
Nelson Ascher
Saturday, October 07, 2006
Torquato Neto
Epigrama 18
Quando nada, absolutamente nada, sai
Eu saio para dar uma volta.
Vou à floresta à procura de chapeuzinho, da vovó ou do lobo.
Na ânsia de ver pessoas vou a bares requintados e a botecos mal-cheirosos.
Passo na biblioteca e ponho o nariz em Bandeira.
Depois de várias cervejas e um colóquio interminável de asneiras.
O que mais desejas?
Ser uma ema?
Para sem pena enfiar a cabeça num buraco?
Torquato Neto
Dúvida
Não há nada mais triste
do que um cão em guarda
ao cadáver de seu dono.
Eu não tenho cão.
Será que ainda estou vivo?
José Paulo Paes
Drummond
Friday, September 15, 2006
Poesia In Rock
Atirador De Facas
Quanta Sabedoria...
"El único error de Dios fue no haber dotado al hombre de dos vidas:
una para ensayar y otra para actuar."
Vittorio Gassman
una para ensayar y otra para actuar."
Vittorio Gassman
Alejandra
The Smiths
Drummond
Sunday, September 10, 2006
De Portugal
Saturday, September 09, 2006
Atenção Ao Sábado
Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas.
No sábado é que as formigas subiam pela pedra.
Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho.
De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana. Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é?
No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde.
Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais. Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã.
Domingo de manhã também é a rosa da semana.
Não é propriamente rosa que eu quero dizer.
Clarice Lispector em Para não Esquecer
Demais, esse Manoel
Hilda Hilst
XII
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água desejasse.
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei.
E há um tempo.
Entendo que sou terra.
Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu.
Pastor e nauta
Olha-me de novo.
Com menos altivez.
E mais atento.
De Júbilo Memória Noviciado da Paixão (1974)
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água desejasse.
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei.
E há um tempo.
Entendo que sou terra.
Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu.
Pastor e nauta
Olha-me de novo.
Com menos altivez.
E mais atento.
De Júbilo Memória Noviciado da Paixão (1974)
Exausto
Quando nada,
absolutamente nada, sai
Eu saio para dar uma volta.
Vou à floresta à procura de chapeuzinho, da vovó ou do lobo.
Na ânsia de ver pessoas vou a bares requintados e a botecos mal-cheirosos.
Passo na biblioteca e ponho o nariz em Bandeira.
Depois de várias cervejas e um colóquio interminável de asneiras.
O que mais desejas?
Ser uma ema?
Para sem pena enfiar a cabeça num buraco?
Torquato Neto
Dúvida
Pagu
Um Peixe
Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.
Patrícia Galvão
Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.
Patrícia Galvão
Imagens
Estragas-me a paz.
e eu preciso das minhas solidões, de bocados mentais sem ti.
Começo a ser doença obsessiva ao repetir-me
por poemas isto: as tuas invasões à minha paz.
(Podia até em jeito original por aqui umas notas
sobre ti: cf., vide: textos tal e tal
Mas é que a minha paz fica toda es- tragada quando te penso amor.
Interrompi os versos por laranjas.
E volto sempre a ti mesmo que não.
É estranho que pacíficas laranjas não me consigam afastar de ti.
Ana Luísa Amaral
Poeta
Poeta:
uma criança em face do papel.
Poema: os jogos inocentes, invenções de menino aborrecido e só.
A pena joga com palavras ocas, atira-as ao ar a ver se ganha o jogo;
os dados caem:
são o poema.
Ganhou.
Adolfo Casais Monteiro
uma criança em face do papel.
Poema: os jogos inocentes, invenções de menino aborrecido e só.
A pena joga com palavras ocas, atira-as ao ar a ver se ganha o jogo;
os dados caem:
são o poema.
Ganhou.
Adolfo Casais Monteiro
Emily Dickinson
Eu, ainda...
" e nesta solidão, emparedada pelo teu silêncio, sigo morrendo aos poucos, e aos tantos restantes te revejo na memória"
albanegromonte
albanegromonte
Eu
Minha Irmã Também Rasga Palavras
Dias meus.
Tem dias que brinco comigo e busco um sorriso
em algum fundo de traço,
talvez um caminho em que me encontre
ou algum outro no qual me perca.
Tem dias que dispo minha alma e reviro-me criança
fera de um não delírio.
Deixo a tristeza pintar um mar e nuvens filmarem alegria.
Tem dias que cavalgo poesia e planto palavras nos pés de meus anseios,
outros rasuro malícia e desmancho
segredos tatuados na ponta de alguns prazeres.
Nos dias escritos desencravo dores destilo amores
e afago torrentes.
Tem dias que saio de mim olho de fora e queimo por dentro.
Tem dias nos dias férteis que viro semente e de
mim broto mulher alucinada com minhas taras e meus frágeis medos.
Tem dias que esqueço de mim e sem querer me acho,
inteira.
Eliane Alcântara.
Amor Em Si Maior
Para Violeta Parra.
Já tive muitos amores
Que não lhes posso contar
Contar assim como números
Nem a vocês confiar
Foram grandes, muitos pequenos
De amar, de dormir, de sonhar
Foram tantos e tantos
Que já nem posso mostrar
Já tive muitos amores
Que não posso enumerar
Foram de tanta importância
Que já não consigo lembrar
Mas o seu que entrou já saindo
Que não se foi nem ficou
É, está e no entanto
Parece que nunca faltou
Já tive muitos amores
Que já não posso afirmar
Que agora esteja vivendo
Ou sonhando ou dormindo ou morrendo
JP Veiga
Já tive muitos amores
Que não lhes posso contar
Contar assim como números
Nem a vocês confiar
Foram grandes, muitos pequenos
De amar, de dormir, de sonhar
Foram tantos e tantos
Que já nem posso mostrar
Já tive muitos amores
Que não posso enumerar
Foram de tanta importância
Que já não consigo lembrar
Mas o seu que entrou já saindo
Que não se foi nem ficou
É, está e no entanto
Parece que nunca faltou
Já tive muitos amores
Que já não posso afirmar
Que agora esteja vivendo
Ou sonhando ou dormindo ou morrendo
JP Veiga
Cecilia rasgava bem palavras
De Portugal
Desta vez vou escrever-te um poema que vai ser um poema de amor, mas que não é apenas um poema de amor. O amor, com efeito, é algo que não cabe num poema; pelo contrário, o poema é que pode caber no amor, sobretudo quando te abraço, e sinto os teus cabelos na boca, agora que a tua voz me corre pelos ouvidos como, num dia de verão, a água fresca corre pela garganta. A isto, em retórica, chama-se uma comparação; e pergunto o que é que o amor tem a ver com a retórica, ou por que é que o teu corpo se teme de transformar numa metáfora - rosa, lírio, taça, qualquer objecto que tenha, na sua essência, um elemento que me possa levar até ele, como se fosse preciso, para te tocar, substituir-te por uma outra imagem, ver em ti o que não és, nem tens de ser, ou ainda transformar-te num lugar comum, que é aquilo em que, quase sempre, acabam os poemas de amor. Assim, este poema de amor é, mais do que um poema de amor, um exercício para escrever um poema de amor - mas um poema de amor a sério, sem comparações nem metáforas, só contigo, com o teu corpo, com a tua voz, com os teus cabelos, com aquilo que é real, e não precisa de sair da realidade para se tornar objecto de um poema de amor em que o amor, finalmente, deixa de ser o objecto único do poema, que se preocupa acima de tudo com a retórica, as imagens, o equilíbrio das formas. Mas, pergunto, não é o teu corpo uma flor? Não é a tua boca uma rosa? Não são lírios os teus seios? Tudo, então, se transforma: e o que tenho nas mãos é uma imagem, a pura metáfora da vida, a abstracta metamorfose das emoções. O resto, meu amor, é tu - e é por isso que o poema de amor que te escrevo não é, finalmente, um poema de amor.
Nuno Júdice
Nuno Júdice
Albert
"Penso agora em flores, sorrisos, desejo de mulher, e compreendo que todo o meu horror de morrer está contido em meu ciúme de vida. Sinto ciúme daqueles que virão e para os quais as flores e o desejo de mulher terão todo o seu sentido de carne e de sangue. Sou invejoso porque amo demais a vida para não ser egoísta... Quero suportar minha lucidez até o fim e contemplar minha morte com toda a exuberância de meu ciúme e de meu horror".
Albert Camus
Minha Rainha
....um Trompete toca a minha lágrima que eternamente aparecerá
Nosso último abraço
Nossa última troca de olhares que afirmavam nosso espelho
E depois veio a tristeza
Enquanto da janela via as rosas vermelhas esplendorosas se abrirem de felicidade pelo sol depois da chuva
E me lembrava que tudo continuava
Mesmo sem você ....
Rita Santilli
Meu Amor Platônico
Troncos
"Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus ombros Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal Dói-me o luar como um pano branco que se rasga".
Sophia de Mello Breyner
Sophia de Mello Breyner
Da Russia
Pirandello
Então para os outros sou aquele estranho que surpreendi no espelho: sou ele e não eu, tal como me conheço! Sou aquele estranho que, à primeira vista, não reconheci. Aquele estranho que não posso ver viver a não ser assim, num instante inesperado. Um estranho que só os outros podem ver e conhecer.
Luigi Pirandello
Do meu amigo maacir caetano
Pérola
" guardarei do teu rosto apenas o nome. a dor do espinho rasgando a pele para que nela entre uma palavra, somente uma palavra, gravada na coluna que sustentava a nossa infância. o mel e o azeite reúnem-se entre flores e mantas de musgo. mesmo no interior da cidade. o pão reveste-nos de sombra. o teu nome reveste-nos de dor nesta noite em que vigiamos o forno do alto da mais alta torre. pouco ficou da viagem: o rio nutrindo-se da ponte e da figueira. o teu nome - alimentando o sangue que guardo neste poema".
Ruy Ventura
Ruy Ventura
Friday, September 08, 2006
Objetos Perdidos
Por veredas de sueño y habitaciones sordas
tus rendidos veranos me acechan con sus cantos
Una cifra vigilante y sigilosa va
por los arrabales llamándome y llamándome
pero qué falta, dime, en la tarjeta diminuta
Dónde están tu nombre
y tu calle
y tu desvelo
si la cifra se mezcla con las letras
del sueño si solamente
estás donde ya no te busco
Julio Cortázar
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